sábado, 20 de agosto de 2011

O que já não é como antes




Cadê você pelos cantos escuros da casa, acalentando, dando espaço as brechas do sol
Cadê poesia?
O parto vai sendo cada vez mais complicado, me apeguei na gestação
As madrugadas ainda são ativas, mas os pensamentos não fluem pelos indicadores como antes
São raros os momentos que me encaminham para os alívios, os únicos que possuía
As vontades que saio ejaculando precocemente
Os acúmulos vão sendo armazenados nos espaços já tão cheios das coisas de sempre
Tudo vai sendo disfarçado com outros gostos, palavras, silêncios
Nem o perigo de ontem afugenta o tédio de agora
As ideias vão se desprendendo da cabeça junto com os cabelos que estão desabitando meu coro cabeludo
A correnteza vai apenas seguindo e esperando o momento de desaguar noutras águas
É tédio sem rotina o que vai entupindo artérias e preenchendo o folgado das calças
As pedras no caminho continuam a calejar os pés, agora sem tantas reclamações
É o costume, esse desespero de não dispor mais de tentativas
Não a disponibilidade para ser tentada, nem a rua chama mais
Vou garimpando o desejo, um que seja menos animal e menos gente também
Só o querer que ainda lateja mesmo nas feridas enraizadas
A procura do molde certo para o ideal criado
Os olhos saem vagando, catando as referências de dentro por fora
Os passos estão sendo dados pro lado contrario, tortos, desvirtuados
Cada vez mais longe das rédeas desejadas
Uma seleção cada vez mais rígida, cada vez mais tonto e atordoado no fim da festa
Catando as poucas lembranças no dia seguinte
Remoendo e remoído
Afundando entre os lençóis congelados de tantas noites uivantes
Amedrontado com as palpitações e a desidratação do corpo
Se vendo do jeito que não queria num reflexo que vai sendo evitado
Medindo a força que existia antes e percebendo que o que já era pouco sempre pode ser menos ainda
Não tem mais como improvisar sorrisos, e como é chato sempre o mesmo dramalhão
Gritando as explicações disfarçadas de cada desgosto e ninguém ouve
Mas não da para corrigir de vez a postura, parar com o refrigerante e ser um livro aberto
Não é todo mundo que pode sair colorindo a vida sem cair na cafonice
Existe felicidade na tristeza também
Então vou usando tudo o que posso contra mim
Me acostumei com os atalhos que fui tomando sem destino algum
Vamos criando as próprias leis, valorizando todas as contradições
Vou encontrar a liquidação certa e comprar a alma com o beijo mais viciante...

quinta-feira, 21 de julho de 2011

Do que foi deixado e suas contra indicações




Uma solidão de mentiras juradas vai me aprisionando em culpas
Esvaziando o avesso que anda revirado
Veias estão congestionadas por cima da pele
Os ventos não me sopram a lugar nenhum, lugar ninguém
Impulsos não me fazem avançar, a ficha do sobreviver não cai
Nada de riscos oportunos ou tentativas estimulantes
O abandono chega sempre antes, muitas vezes antecede o acontecer
Minhas escolhas subiram patamares, estão distantes
Uma aquarela em tons de cinza
Vou estranhando vontades, entalando os quereres
Delas não me lembro, não as tenho mais
Meu pecado maior é o silêncio vencido
A facilidade do suspiro e o ardor da consciência
O intervalo entre o desabafo não tido, rejeitado
As reticências, os lugares de mim que vou esvaziando
Constância cômoda de ir piorando tudo pelo descaso
Passos confusos impedindo acontecimentos
Bloqueio de rachaduras bastardas
Vandalismo interior, arrastão de sentimentos
Distúrbios distribuindo as senhas de atitude
A linha reta com as mesmas paisagens repetidas
Placas de impedimentos nos canteiros proibidos
O peso da cabeça não permite cortar caminho
Sair desbravando aquela outra coragem de menino
Os desprendimentos abandonados ao longo dos tratados traídos
Um ranger de dentes ancestral
Sem espaços para uma pseudo perfeição
Aliás P-E-R-F-E-I-Ç-Ã-O alucinação preferida
O esporte da auto-sabotagem...

sexta-feira, 15 de julho de 2011

Macho Alfa



Tua amargura acelera palpitações de outros
Presenteando-me mãos tremulas e um estômago descompassado
Os tormentos foram repassados por ciclos crescentes de agonia
Um show de horrores muitas vezes revivido por não ter o que fazer
A necessidade era mais forte que o orgulho da leoa que defendia suas crias
Gritos abafados, repressão, digitais impressas na coagulação do sangue dos hematomas
Uma indiferença acumulada por nós a cada golpe de uma guerra sem escolhas
Alma e rotinas atormentadas, silêncios acumulando desesperos
Caminhos separados por um punhal numa primeira lembrança cinzenta
Um grito inocente de socorro em meio à terra rachada, um vestido azul avermelhando
Cacos de esperança e folhas secas pelo chão da casa
Urros, mãos fechadas, e o cuidado jurado no altar aos pés de Deus?
Não era permitido questionar, a regra era obedecer
A ausência, a fuga, o pulo da cerca, devastação nunca lembrada
As lágrimas dela enchendo teu copo, garrafas, barris, cultivando teu alambique
Você esculpindo com rugas e angústias a dona do ventre a te dar frutos
Sede que nuca passa, promessas que nunca se cumprem
Procuro sonolento de cansaço por explicações ou até mesmo algum murmúrio que seja
Motivos que passam de mão em mão feito batata quente
Calmarias sorrateiras, tempestades destrutivas
Tenho medo do teu reflexo no espelho que me vê
Me acalmo por beber de outras agonias
Me martirizo por também carregar as culpas desses tormentos que vou deixando acumular, crescer, pesar cada vez mais
As responsabilidades questionadas, a vergonha inaceitável
São teus cabelos brancos contra os espaços falhos dessas ideias repassados por outros atordoados meninos acovardados
Acorda para as perdas que estão crucificando os que mais sofrem teu sofrimento
Não serei eu que te esfregarei vícios na cara, me calo, calamos, sempre
Disfarçamos na ressaca com nossos melhores sorrisos
O maior problema é não termos tido uma amnésia alcoólica
Sempre vai haver alguma coisa incomodando por baixo do tapete
Os cacos estão ficando tão pequenos que chegará o momento de não ter mais como colar
Mas quero dizer que uma hora aquele cômodo não vai ser escuro o suficiente para esconder tua vergonha...

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Estiagem


A vida me envia contas que não consigo pagar
Tão complicado entender os sinais necessários
Sigo contra a corrente e me deparo surpreso com a banalidade, a mesma causadora de fuga
Ando sufocando com a mesmice que preguiçoso vou deixando preencher os cantos da casa
Me acomodo pelos escuros não atingidos pela luz da televisão
Não respeito refeições, alimento compulsões e sigo domesticando distúrbios do existir
Abrir as portas e correr para os riscos das tentativas sociais é me render
Compactuar com as minhas desgraças e reforçar comportamentos reprovados
Os do lado de fora me incomodam com a satisfação cotidiana, pelo menos podem mudar
Pular a linha da moralidade e se lambuzar com a lama do real
Não tenho como mudar de lado, abracei o inquestionável
Isso traduz o distanciamento dos genes, um estranho parente a ocupar mais um espaço
Atos indiferentes nunca questionados, hierarquia de silêncios
Um referencial a nunca ser cumprido e para onde apontam as pegadas
Não me rendi às cobranças, nem delimitei caminhos e muito menos engoli os sonhos
O relógio biológico trocado me revela o nascer dos dias, a repetição do inacabado
Terreno onde só o desejo floresce, o instinto que faz quebrar o gelo é motivo de fulminante dependência
O hoje esconde a vontade de dizer, nada se guarda é outro começo, só
Tenho as chaves, mas mesmo assim me sinto e estou preso
As ondas que vem e banham os pés não podem retornar
Não se acha novos ciclos pintados no horizonte
O agora é um ladrão de pensamentos e o tempo um crápula
Nada para se fazer, a mesma trilha, caminhos circulares
O mesmo rosto refletindo o não
Uma única estação onde nada desabrocha, não aprendi a deixar florescer
O nada é insuportável, alterações entre a estranheza e o asco a depender do humor
Taquicardias revelando clichês, pulgas atrás da orelha e as mesmas manchetes no jornal
Outro par de olhos para enxergar melhor o entardecer
Não chove mais por dentro...

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Coxia



O ponteiro segue seu rumo, a chuva alaga a cidade
Eu me alimento das unhas na esperança inerte de estancar as chagas
O escuro me abraça assegurando essa falta de liberdade
Recolhimento involuntário a criar pretextos, ancora enraizando solidão
O poço sem fundo que engoliu minha moeda recheada com o desejo mais puro
Uma sobrevivência que seja por esses meios de luta diária
Fome despreocupada, caçada louca de focos, o centro
Essa mutação da pele, o corroer dos ossos, a inflamação dos nervos
Os pecados encarnados, marcados a ferro
Fantoche de si mesmo para o julgamento dos outros
Desespero de quem nada sabe
A insegurança da memória que remete a essa paixão, doença incurável
Portas sem trinco enfileiradas à minha frente, nenhuma saída de ar
Faces enrugando, pés dormentes, vontade a alongar esse caminho
Karma recorrente, estômago de oco descrente
Correspondências sem endereços, sem respostas, palavras cansadas
Sonhos de bolha imperfuráveis, distúrbios, compulsão
Sujeira incrustada por milênios, esgotos para um encontro
Nada de explicações, os olhos soletram teus pensamentos inabaláveis
Distorção do encosto barraqueiro, lágrimas dos crocodilos lúdicos
Toda a consciência de que é preciso sangrar os calos,
Cair muitas vezes de joelho, respirar fundo e desejar muito mais merda...